Afinal, como está a economia gaúcha?

Afinal, como está a economia gaúcha?

A arrecadação de julho foi excelente. O comércio vendeu bastante, porque as pessoas compraram para reconstruir. Houve grande demanda no setor de veículos. Acredito que ninguém imaginava esta arrecadação de R$ 4,5 bilhões. São pouco mais de 20% nominais sobre julho de 2023. Tira a inflação, fica um aumento real de pelo menos 15%. … Neste ritmo, vai ultrapassar fácil o número de R$ 47 bilhões que tinha no orçamento. Estimamos que poderá até passar com certa facilidade dos R$ 50 bilhões.

Sim, Bins, creio que parcela não desprezível dos economistas gaúchos apostavam numa arrecadação menor. Mas, por favor, não generalize. Em artigo publicado há 15 dias atrás, escreviAposto que a arrecadação deste ano será superior à de 2023. E o motivo que eu apresentava era exatamente esse que o amigo trouxe na entrevista ao Correio: no pós-crise, a demanda por bens de consumo (móveis, vestuário, eletrodomésticos, etc.) e por bens de investimento (material de construção, veículos automotores, máquinas, etc.) é ampliada de forma explosiva. E essa explosão de demanda movimenta o comércio e, por extensão, a arrecadação fiscal.

Mais: ela movimenta o emprego e a renda das famílias. Ouso fazer uma nova aposta: ao final de 2024 o número de ocupados formais (carteira assinada) e informais (conta própria), bem como o rendimento auferido por ambos, será maior, em termos reais, que foi ao final de 2023. Justamente porque a economia está sendo puxada pela demanda. Esta última foi estimulada pelas perdas derivadas da catástrofe climática. E foi apoiada com os recursos disponibilizados pelo Governo Federal; sejam orçamentários – Auxílio-Reconstrução, Bolsa-Família, Investimentos Extraordinários em saúde, educação, recuperação do sistema logístico; sejam financeiros – disponibilizados a juros subsidiados e canalizados para quem efetivamente precisa e faz uso imediato dos mesmos. Mas o mais importante é o terceiro ponto: o braço produtivo está conseguindo responder à nova pressão de demanda. Vamos analisar essa última dimensão no nosso próximo artigo. Agora cabe observar os efeitos da pressão de demanda. E os números são insofismáveis.

Valores Arrecadados de ICMS entre Janeiro e Julho dos anos de 2023 e 2024 (valores nominais em milhões)
MêsTotal ICMSICMS Indústria de Tranformação
20232024DifTx Var20232024DifTx Var
Jan R$   3.516,04 R$   4.306,47 R$    790,4322,5% R$   1.778,57 R$   2.075,20 R$    296,6216,7%
Fev R$   2.872,62 R$   3.643,93 R$    771,3026,9% R$   1.291,39 R$   1.846,89 R$    555,5043,0%
Mar R$   3.076,29 R$   3.801,22 R$    724,9323,6% R$   1.393,55 R$   1.945,24 R$    551,6939,6%
Abr R$   3.937,50 R$   4.196,15 R$    258,646,6% R$   2.009,94 R$   2.144,38 R$    134,436,7%
Mai R$   3.634,09 R$   3.176,45-R$    457,64-12,6% R$   1.715,88 R$   1.772,40 R$      56,523,3%
Jun R$   3.579,98 R$   3.479,19-R$    100,79-2,8% R$   1.751,69 R$   1.622,51-R$    129,18-7,4%
Jul R$   3.626,08 R$   4.391,60 R$    765,5221,1% R$   1.790,95 R$   2.287,74 R$    496,7927,7%
Tot R$  24.242,61 R$  26.995,01 R$ 2.752,4011,4% R$  11.731,98 R$  13.694,35 R$ 1.962,3716,7%
Fonte: SEFAZ – RS

De acordo com a Secretaria da Fazenda do RS (veja aqui), a arrecadação de ICMS nos sete primeiros meses de 2024 superou a arrecadação de 2023 em 2,75 bilhões de reais; um crescimento nominal de 11,4% (e 6,3% real, se tomamos por referência a inflação dos últimos 12 meses). Só no mês de julho, o crescimento nominal foi de 21,1% e o crescimento real foi de 16,6%. Mais: a Indústria de Transformação (IT) – que responde por mais de 50% do valor arrecadado pelo Estado – deu uma resposta ainda mais impressionante. Em julho de 2024, a contribuição da IT para o Tesouro do Estado foi de 2,3 bilhões de reais; quase 500 bilhões a mais do que em julho de 2023: um crescimento nominal de 27,7% e real de 21,92%. O que isso significa? Que a economia gaúcha vai muito bem, obrigado? …Vejamos.

  • Começar de novo e contar comigo …

Um trauma, é um trauma, é um trauma, é um trauma. Tanto a economia, quanto a sociedade gaúcha, sofreram um grande trauma. Não há como “estar bem, obrigado” após um evento como a catástrofe climática de maio de 2024. Não obstante, há inúmeras formas de lidar com um trauma. Podemos entrar em depressão, absolutizando e (no limite) cultuando o sofrimento. Podemos recalcar o evento traumático, colocando-o numa espécie de “freezer”, donde ele volta e meia escapa para nos assombrar. Podemos transformar o sofrimento em ira, e responder à violência sofrida com mais violência ainda, distribuindo-a de forma aleatória contra todos aqueles que elegemos como inimigos, do alto de nossa paranoia. E também podemos transformar o trauma em uma mola propulsora para romper com as condições que viabilizaram sua emergência; vale dizer, podemos nos “reinventar”, nos afastar de forma radical das condições do trauma.

Em sua obra maior – Cordélia Brasil -, Antônio Bivar criou um bordão: “O princípio é sempre difícil, Cordélia Brasil: vamos tentar outra vez”. Com o perdão do spoiler, ao final da peça, Cordélia (o) Brasil, se suicida. O que será da “Cordélia Gaúcha”, ainda não sabemos. No plano político, nossos gestores estaduais parecem determinados a trilhar os caminhos menos promissores de resposta ao trauma: o mix de ira e depressão. Estas são as respostas típicas daqueles que, no fundo, se culpam pelo trauma que os atingiu. A vitimização depressiva e a promoção do ódio indiscriminado, sem direção determinada, numa busca desesperada para encontrar culpados e puni-los, são respostas contrário-idênticas. Ao proclamar sua condição de vítima e acusar seus adversários (reais ou fictícios) pelo sofrimento dos gaúchos, Leite, Souza, Melo e aliados políticos procuram ocultar (de si e dos outros) suas próprias consciências culpadas. Não me parece que valha a pena nos debruçarmos sobre esta reação neurótica peculiar (com fortes traços narcisistas e histéricos) a um trauma que, de fato, atingiu a todos nós. Esta reação já vem sendo objeto de crítica e denúncia de muitos. Até mesmo pela grande imprensa gaúcha (veja aqui) já começa a ridicularizar este tipo de resposta. Não há por que dizer mais nada.

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