Quando a comida é feita para ser postada, importa se ela é boa?
Ao receber o meu aceno silencioso de “está gravando”, o garçom foi levantando a forma redonda de metal, revelando aos poucos todas as camadas de uma lasanha à bolonhesa, até ela terminar em uma massaroca vermelha oleosa no prato, coberta por um molho branco bastante espesso.
Olhei ao meu redor no salão bem iluminado do restaurante e as outras mesas estavam vivendo o mesmo ritual de derramamento da chamada “lasanha mais instagramável de São Paulo”.
Um casal na mesa vizinha levou até uma luz portátil para filmar o espetáculo com maior riqueza de detalhes. “Essa é a lasanha mais bonita que já vi”, bradou um deles olhando para o iPhone em riste, revelando de que se tratava de um casal de influenciadores.
Após o espetáculo de dez segundos, dei uma garfada generosa na lasanha, tentando pegar todas as camadas de uma vez só. O gosto era de uma lasanha comum, mas três vezes mais salgada. Não estava ruim, mas também não era nada emocionante o bastante como o casal de influenciadores ao lado disse ser.
A pequena descarga de dopamina que senti ao gravar a revelação da comida foi mais gratificante do que comê-la. E eu gosto muito de comer.
O prato custou R$ 79 no cardápio de almoço executivo, preço que cobriu também uma entrada e uma sobremesa. Voltei para casa com a típica expressão no rosto de quem comeu mal e pagou muito por isso.
A lasanha desconstruída foi a primeira parte de uma aventura que embarquei a pedido de O Joio e O Trigo. Com um orçamento, um celular e um bloquinho de notas no bolso, percorri alguns dos estabelecimentos mais bombados nas redes sociais para descobrir se uma comida vendida como “instagramável” é boa ou apenas mais um objeto para postar nas nossas redes sociais.
E o restaurante Pappagallo Cucina apareceu no meu feed assim que conversei com o editor sobre a pauta. Em segundos, o Instagram começou a me empurrar dezenas de vídeos de influenciadores diferentes, mas todos muito parecidos entre si, mostrando exatamente a mesma lasanha sendo derramada no prato. Não é magia: é algoritmo.
Uma competição acirrada pela nossa atenção
É difícil ignorar o quanto a plataformização da internet, fenômeno causado pelo monopólio de empresas privadas sobre nossos dados e navegação, mudou nossos hábitos dentro e fora das telas de smartphone e computadores.
Qualquer conteúdo, seja ele educativo ou apenas uma propaganda, precisa ser ágil e tem que se encaixar dentro da proposta de 30 segundos de duração de um reels do Instagram ou de um vídeo do TikTok.
Os feeds infinitos, forjados a partir de dados e preferências que nós entregamos às empresas, aceleraram processos de consumo e despertaram desejos urgentes. Ou seja, é um mar de pessoas físicas e jurídicas competindo entre si, mesmo que sejam de segmentos completamente diferentes, pelo engajamento. Isso inclui, claro, o setor de bares e restaurantes, que tem o desafio extra de convencer o cliente a sair de casa para consumir o que está oferecendo.
Essa disputa obrigou uma mudança na estratégia de estabelecimentos que antes dependiam do boca a boca ou de uma crítica publicada em um veículo respeitado para atraírem clientes. E essa nova estratégia é nos vender a ideia de que sair para jantar vai nos satisfazer em muitos outros níveis além da comida.
A ideia de que estamos caminhando para uma “economia de experiências” foi lançada no final dos anos 1990 por dois norte-americanos.
Segundo B. Joseph Pine II e James H. Gilmore, criadores do termo, uma experiência acontece quando uma empresa usa intencionalmente “os serviços como palco e os produtos como adereços para envolver clientes”. “As commodities são fungíveis, os bens tangíveis, os serviços intangíveis e as experiências memoráveis”, conceituam os autores no artigo “Bem-vindo à economia da experiência”, publicado na Harvard Business Review em agosto de 1998.
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